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Francisco Ortigão comenta sobre uso da tornozeleira eletrônica no Valor Econômico


O Judiciário tem adotado medidas para tentar desacelerar o ritmo de prisões e mudar o cenário vislumbrado pelo governo federal: um milhão de pessoas atrás das grades até 2022 ou, a longo prazo (em, no máximo, 60 anos), um em cada dez brasileiros. No ano passado, de acordo com o último levantamento do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), eram 607,7 mil presos para um total de 376,6 mil vagas – a quarta maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, China e Rússia.

A regra nos tribunais, agora, é estimular a aplicação de penas alternativas. O caminho para evitar um crescimento anual de 7% da população carcerária começa pelas audiências de custódia, um programa encabeçado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que prevê a apresentação dos presos em flagrante a um juiz no prazo máximo de 24 horas.

Nessas audiências, o magistrado avalia a necessidade de o réu ser mantido preso durante a tramitação do processo. Ele analisa se o preso oferece risco à sociedade, se há evidências de fuga ou se ele pode prejudicar a coleta de provas. Há participação também da Defensoria e do Ministério Público.

Para presos envolvidos em crimes com pena entre quatro e oito anos (regime semiaberto) tem sido recomendado o uso da tornozeleira eletrônica. No Espírito Santo, por exemplo, 1.171 equipamentos foram disponibilizados desde que as audiências de custódia começaram a ser realizadas.

Os presos são monitorados por uma central que funciona 24 horas por dia. Um mapa digital na tela mostra a rota feita por cada preso – quando há infração é aberta uma ocorrência, o preso é contactado e corre o risco de perder o benefício. Da central também é possível emitir relatórios que indicam a movimentação dos presos em dias, semanas e meses.

O Espírito Santo, segundo especialistas, é considerado um modelo a ser seguido. Hoje não existe padronização entre os Estados, cada um contrata e disponibiliza o serviço a sua maneira. E os preços, segundo levantamento feito pelo Valor, variam bastante: enquanto o Espírito Santos é o que paga menos, R$ 167 por preso, em Minas Gerais, por exemplo, o custo é de R$ 400. Ainda assim, bem abaixo do que seria gasto para manter a pessoa atrás das grades – cerca de R$ 3 mil por mês, segundo o CNJ.

Para pôr fim a essas diferenças, o Depen estuda a edição de um protocolo de utilização das tornozeleiras eletrônicas. Se colocado em prática, todos os Estados que recebem financiamento federal deverão seguir os mesmos critérios para contratar o serviço, além de terem que seguir regras sobre a forma de monitoramento. “Assim, nós disponibilizaremos não só o recurso, como também um contrato padronizado para os Estados”, diz o diretor-geral do órgão, Renato de Vitto.

O Depen mantém convênio com dez Estados – num total de R$ 10,4 milhões repassados desde 2013 por meio do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) – e quer dobrar esse número até o fim do ano. De Vitto destaca, no entanto, que é preciso ter cuidado para que não haja abuso na aplicação do equipamento. “É vedada a utilização para crimes que comportam medidas cautelares mais brandas. Onde não cabe a prisão, não cabe a tornozeleira”, afirma.

Para o criminalista Rogério Taffarello, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), a tornozeleira só será bem-vinda se realmente se tratar de um instrumento de redução dos índices prisionais. “O que não se pode, e eu tenho muito receio que se faça, é manter os mais de 40% de presos provisórios de hoje nas cadeias e uma mesma porcentagacabe sendo monitorada na rua”, diz.

Um outro desafio será provar para a sociedade que o monitoramento eletrônico é eficaz. Em Mato Grosso, por exemplo, quase 20% dos que usam a tornozeleira cometeram crimes mesmo sendo monitorados. Recentemente, dois desses homens foram pegos roubando a casa de um juiz. Além disso, fala-se entre os presos que existe até quem retire o equipamento e coloque em animais, simulando o seu batimento cardíaco e burlando, assim, o sistema.

Especialista em direito penal e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Francisco Ramalho Ortigão Farias entende que é preciso avaliar se são casos pontuais, uma minoria, ou se é verificado na maioria dos monitorados no país. “Se falamos de uma minoria está se atingido a finalidade de controle. Distorções são comuns em qualquer sistema desenvolvido em qualquer país democrático do mundo”, afirma.

Para o diretor-geral do Depen, o sucesso depende de uma “gestão correta e adequada do contrato”. Ele acredita que se for seguido esse caminho, o país terá “um ganho muito grande com as tornozeleiras”. Estado considerado modelo na aplicação do equipamento, o Espírito Santo tem índice de apenas 3,3% de reincidência entre os presos que usam o equipamento, o Espírito Santo tem índice de apenas 3,3% de reincidência entre os presos que usam o equipamento eletrônico.

Por Joice Bacelo
De São Paulo

Fonte: http://www.valor.com.br/legislacao/4316664/audiencias-de-custodia-e-tornozeleiras-evitam-prisoes