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Dr. Francisco Ortigão palestra sobre Lei de Abuso de Autoridade em webinar organizado pela Abracrim


O criminalista Francisco Ortigão, sócio-fundador de Francisco Ortigão Advogados, palestrou em webinar do Grupo de Estudos da seção Rio de Janeiro da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim-RJ), sobre a Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019), que entrou em vigor em 3 de janeiro de 2020. Foi no dia 28 de abril, pela plataforma Zoom, em encontro que reuniu mais de 50 participantes.

Ele iniciou sua exposição pela definição do que é Estado Democrático de Direito e quais as implicações disso nas limitações do poder punitivo. “A Constituição estabelece uma série de regras de não fazer ao Estado de modo que as garantias individuais sejam respeitadas e que haja em volta do cidadão um espaço mínimo para ele desenvolver as suas potencialidades humanas: privacidade, intimidade, inviolabilidade do domicílio, inviolabilidade das comunicações, de que só será preso em flagrante delito ou por ordem fundamentada de um juiz”, explicou o Dr. Ortigão.

Leia outros trechos da palestra:

O poder é na sua essência uma relação de exercício de imposição intersubjetivo. Ninguém detém o poder, ele é exercido por relações interpessoais ou institucionais em face de uma ou um grupo de pessoas. Daí haver uma necessidade de controle do poder. Poder sem controle tende ao arbítrio, ao abuso, especialmente por regular as relações econômicas em uma economia neoliberal.

A lógica do individualismo-possessivo nos permite acreditar que é possível que para uns viverem outros devem ser deixados à morte. Essa metarregra pode fazer crer que há a possiblidade de se fazer justiça de forma utilitária, não se importando com os meios e sim com os supostos fins.

Contudo, em termos de sistema de justiça, e principalmente o processo penal, é justamente o respeito aos meios pelos quais se aplica a justiça que podemos alcançá-las. Neste contexto, a nova lei de abuso de autoridade é forma de contenção do Poder Estatal em face do cidadão e não vai de encontro ao uso democrático do direito. Não há contradição entre a população oprimida e a proposta crítica de redução do sistema penal.

Temos sim que discutir a eficácia jurídica da lei em razão do questionável §2º do artigo primeiro, ao prever que a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade. A ideia de responsabilização de autoridades que exercem funções de extrema importância político-jurídica do Estado não me parece ser ruim a partir da premissa de que o arbítrio do poder punitivo ataca frontalmente as garantias fundamentais, os direitos humanos e os pilares da democracia.

O Dr. Francisco Ortigão passou a lembrar, neste ponto, da história do suicídio do então reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier, em 2 de outubro de 2017, em um shopping de Florianópolis, conforme reconstituição do Ministro Gilmar Mendes, em artigo no Conjur:

“Dezessete dias antes, Cancelier havia sido afastado da função pública que exercia e preso preventivamente por 30 horas no âmbito de uma operação da Polícia Federal que investigava supostos desvios em curso na Educação à Distância oferecidos pela Universidade. No dia de sua prisão, a PF veiculou a notícia de que a operação desbaratara um suposto esquema de desvios de mais de R$ 80 milhões. A repercussão foi determinante para a decisão de Cancellier de tirar sua própria vida. Tempos depois, a própria Polícia Federal desmentiu a informação, já que tal valor se referia ao total dos repasses para o programa. Não havia qualquer elemento indiciário que envolvesse Cancellier no inquérito. Os equívocos só foram admitidos extemporaneamente”.

De acordo com o Ministro, a sindicância aberta contra a delegada responsável pelo caso foi “estranhamente” arquivada, sem qualquer punição. “A legislação (Lei de Abuso de Autoridade) representa um avanço civilizatório ímpar para o Direito Penal brasileiro, não apenas por ter conferido aprimoramento técnico significativo em relação ao diploma anterior (Lei 4.898/65), mas sobretudo por sacralizar o compromisso de autorreflexão de uma sociedade democrática sobre os limites do sistema punitivo”, conclui o Ministro.